Por trás de cada olhar cansado, há uma força que não se mede. Mães que acolhem o mundo em seus braços, enquanto o mundo ainda aprende a acolher seus filhos. Elas seguem, exaustas, mas inteiras. Seu cotidiano é feito de consultas, terapias, monitoramentos, crises inesperadas, mas também de sorrisos conquistados com esforço, palavras que demoram, abraços que significam mundos. Elas não vivem apenas por amor. Vivem por coragem. E resistem, dia após dia, não só para cuidar — mas para garantir uma vida feliz aos seus filhos, apesar de todas as barreiras.
Shâmara Rached conhece bem esse caminho. Mãe de Alef, de 13 anos, diagnosticado com autismo, ela precisou mudar sua história para reescrever a do filho. Formada em Comunicação Social e Radialismo, abandonou o microfone para estudar psicologia. Mergulhou no universo do autismo e se tornou referência no método ABA (Análise do Comportamento Aplicada), ministrando cursos e palestras por todo o Brasil.
“É de encher os olhos, ver o quanto a inclusão está andando mais rápido, mas é preciso mais informação, sobre direitos, sobre benefícios, sobre o próprio autismo”, alerta Shâmara. Por isso, além de tudo o que já faz, Shâmara ainda administra o Instagram @autismotratavel, um canal educativo voltado a famílias que, como ela, buscam informação e acolhimento.
Mas, apesar da força que move Shâmara e tantas outras mães atípicas, o esgotamento é real. A rotina de cuidados exaustivos, somada à ausência de uma rede de apoio sólida, cobra um preço alto. Por isso, leis que reconhecem e protegem essas mães são mais do que justas — são urgentes.
Na Paraíba, os ventos têm mudado com o avanço de políticas públicas que reconhecem e valorizam a maternidade atípica. A Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) tem protagonizado esse movimento, com legislações que finalmente começam a enxergar não apenas as crianças, mas também quem está por trás dos cuidados contínuos: as mães.
A mais recente conquista é a Lei 13.030/2024, que institui a Semana Estadual da Maternidade Atípica, comemorada na terceira semana de maio. A iniciativa tem como objetivo estimular políticas públicas e debates sobre a saúde mental dessas mulheres. “Estabelecer uma semana para a maternidade atípica é dar voz a estas mães, que muitas vezes são as únicas vozes de seus filhos”, afirma o presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, Adriano Galdino.
Mas não para por aí. A Lei 12.762/2023, sancionada no ano anterior, garante atendimento psicossocial prioritário para mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na rede pública e privada estadual. É um passo essencial para cuidar de quem passa dias e noites acompanhando crises, enfrentando filas, carregando culpas e enfrentando o luto do filho idealizado — um luto silencioso, muitas vezes ignorado.
Outras legislações da ALPB também vêm criando um ambiente legal mais protetivo para essas mulheres. A Lei Ordinária 13.546/2025, por exemplo, institui a Política de Apoio e Prevenção da Estafa Mental ou Burnout relacionado à maternidade, enquanto a Lei 13.499/2024 estabelece diretrizes para a Política de Atenção à Saúde Mental Materna, reconhecendo o impacto emocional profundo que pode afetar mães durante e após a gestação — especialmente aquelas em contextos atípicos.
Outras iniciativas
Além das leis, a ALPB lançou a Coletânea das Legislações Estaduais referentes ao TEA, reunindo mais de 30 normas que abordam desde acesso à educação até políticas de saúde e apoio psicológico. A iniciativa visa garantir que mães, pais e cuidadores estejam cientes dos seus direitos e saibam como cobrá-los.
Um exemplo prático da atuação da ALPB é a Caravana da Inclusão, projeto itinerante que leva informação e capacitação sobre autismo a diversas cidades do interior. Shâmara Rached, que participa ativamente da iniciativa, destaca sua importância: “A caravana do autismo está levando conhecimento, inclusive advocatício, para as mães do interior. E conhecimento é tudo. É ele que nos dá voz, que nos fortalece.”
Com a instalação das Salas de Estabilização Sensorial, previstas na Lei 12.911/2023, a Assembleia também busca atender as demandas sensoriais específicas de pessoas neurodivergentes em grandes espaços públicos. Uma ação que respeita a diversidade e oferece dignidade.
São iniciativas que sinalizam algo maior: o entendimento de que a maternidade atípica não é apenas uma experiência privada, mas uma questão de saúde pública, de direito e de justiça social. “Em meio ao caos silencioso da maternidade atípica, o amparo legal surge como luz. Não resolve tudo, mas oferece alívio. E onde há alívio, há espaço para respirar — e continuar lutando. Porque ser mãe atípica é resistir por amor, mas é também resistir por direitos. E quando a lei reconhece essa força, o invisível ganha nome, voz e lugar”, resume Adriano Galdino.